Por Lindomar Almeida
Renato está desempregado e fica em casa. Jandira sustenta a família nestes meses duros. Renato percebe que Jandira mudou: reclama mais, está distante e não quer sexo. Ele sente duplamente: o afastamento da mulher e nada de rendimentos no bolso. Guardou tudo no coração ou no estômago, depende do gosto.
Um dia sentados para o jantar um rato, destes pequenos, apareceu na cozinha. Renato levantou-se para matá-lo, mas, o animal entrou num pequeno buraco na parede, ele então aproveitou e tampou o buraco com papel.
Um, dois, três dias e o rato preso.
Durante o café Renato faz elogios a beleza de Jandira. Jandira solapa sua frase dizendo: este rato rói o papel, vejo seus dentes daqui. Impossível, retrucou Renato coloquei bastante papel, vou cansá-lo primeiro antes de matá-lo. Você está dizendo que minto? Porque ninguém acredita em mim, porque você não acredita em mim?!! A confusão se instalou, discutiram, ficaram fechados e foram ao trabalho sem se falar direito, tiveram uma despedida chocha com um falso beijo.
Maldito rato, diriam alguns.
Nada! Maldito silêncio. Poderia ser um urso, um javali, uma mosca... uma gota d'água. Tudo serviria como estopim, como gatilho, como subterfúgio para vir à tona experiências não significadas (frustrações) deste casal. No caso de Jandira um autoconceito de desvalor sobre si mesma, sentida por algum tempo que mina sua auto-estima. Renato não fica longe, sentindo o drama de sua pequenez nesta instabilidade financeira e afetiva.
Falar, expressar, chorar, desesperar-se diante de alguém/especialista de confiança é fundamental para ajustar-se em sua própria órbita e viver com saúde mental, apesar dos problemas.
Todo 'dito' torna a relação conosco mesmo, com a comunidade, com a família, bendita.
Todo 'não-dito' tem o efeito contrário, torna maldita a relação com quem quer que seja. Inclusive um pequeno roedor adquire um grande poder de abalar uma relação.